Parceria entre UFRJ e Prefeitura do Rio ajuda a combater fraudes em alimentos

O combate à fraude em alimentos, que traz prejuízos econômicos aos consumidores cariocas e pode até acarretar riscos à saúde, é a ponta visível do acordo de cooperação estabelecido entre o Laboratório de Farmacobotânica da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Laboratório Municipal de Saúde Pública (Lasp), vinculado ao Instituto Municipal de Vigilância Sanitária (Ivisa-Rio).
A parceria entre o conhecimento acadêmico e o poder público já rendeu outros frutos. Entre eles, está a publicação de uma série de livros digitais (e-books) sobre como ter mais precisão ao identificar matérias estranhas e contaminantes biológicos ou químicos nos alimentos. As duas primeiras publicações já estão disponíveis para serem baixadas gratuitamente.
São quatro volumes da sequência batizada de “Alimentos”. O primeiro, intitulado Grãos de Amido, é voltado para a identificação do amido nos alimentos, produto usado para aumentar o volume e a consistência deles. O amido é um carboidrato que atua como reserva energética para as plantas e é a principal fonte de carboidratos para os seres humanos. Ele pode ser obtido a partir de uma dezena de grãos, como milho, trigo, arroz, aveia, centeio, ou de tubérculos e raízes, como batata, araruta e mandioca.
De acordo com o professor André Luis de Alcantara Guimarães, um dos professores do laboratório de Farmacobotânica e coordenador do projeto, o livro surgiu a partir de uma dissertação de mestrado da farmacêutica Ludilaine Fiuza Barreto de Oliveira, orientada na Faculdade de Farmácia Rica em ilustrações, a publicação mostra como a estrutura e morfologia do amido podem ser variadas. É um guia completo para a identificação de mais de 15 tipos do carboidrato.
“O problema é que esse tipo de fraude, por exemplo, de misturar o amido a outros alimentos, traz riscos para os celíacos”, afirma o professor Guimarães. A doença celíaca é autoimune e de origem genética. Trata-se de uma intolerância ao glúten, uma proteína presente em cereais como o trigo, a cevada e o centeio.
O segundo volume é voltado para verificar as boas práticas de higiene dos estabelecimentos comerciais e da indústria alimentícia. Intitulada Insetos contaminantes de alimentos, a obra é produto de outra dissertação de mestrado. O biólogo Gustavo Paim de Carvalho veio de Teresópolis, na região serrana do estado, para desenvolver a pesquisa na UFRJ. Seu estudo apresenta como visualizar mais de 30 diferentes fragmentos de insetos, como baratas, formigas e barbeiros, entre outros.
Os volumes III e IV da série deverão estar disponíveis até o fim do primeiro semestre de 2025. O terceiro, voltado para identificar fraudes em chás e ainda sem título, deve ser lançado em abril. A autora de ambos os livros é Laís Higino Doro, uma funcionária do setor de Microscopia de Alimentos do Lasp, que, graças à parceria, é mestranda do projeto na Faculdade de Farmácia.
Segundo Laís, que tem formação em Veterinária, o intercâmbio da experiência profissional com o saber gerado na universidade é ótimo para os dois lados. “Nós trazemos numerosas e variadas amostras para serem pesquisadas aqui, algo difícil de ser coletado pela Universidade. E a equipe do André, da qual faço parte também, amplia o conhecimento sobre aspectos que não dominamos, como, por exemplo, a histologia das plantas, que é essencial para evitar misturas que colocam vidas em risco”, assegurou.
Muitas vezes, comerciantes inescrupulosos nem sequer têm noção que, para aumentar o volume dos produtos, podem estar misturando ao chá plantas hepatotóxicas, que, em alguns casos graves, levam à necrose do fígado e à necessidade de transplante. A fraude não é apenas um ataque ao bolso, mas coloca em risco a vida das pessoas. Em geral, pessoas mais idosas e com o organismo mais vulnerável, e que culturalmente adotam os chás para diversas terapias.
As normas estabelecidas nacionalmente pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária determinam que parte da planta se pode obter os chás: flores da camomila, por exemplo, ou apenas folhas, no caso do chá verde. “Ao analisar as plantas pelo microscópio podemos identificar se há ou não misturas. Quem não tem o menor conhecimento de histologia vegetal dificilmente vai dizer o que há de diferente. O livro ajuda nesse sentido, com orientações metodológicas e riquezas de imagens, para que as pessoas conheçam melhor o que deve ou o que não deve estar presente nos chás”, disse a mestranda.
Pelos de mamíferos encontrados nos alimentos é o quarto livro da série que deve estar disponível até junho. De acordo com Laís Higino, a legislação está atenta àqueles com potencial risco à saúde. “Hoje, os pets são permitidos em estabelecimentos comerciais. Por outro lado, pode haver roedores transmissores de doenças, como leptospirose, toxoplasmose e tantas outras que se infiltram nas embalagens. A olho nu é difícil saber a diferença entre o pelo de um animal ou outro. O livro ajuda aos técnicos e fiscais nessa distinção”, explicou a pesquisadora.
A microscopia é uma análise relativamente barata de ser feita, pois requer muitas vezes isumos como água destilada ou óleo mineral e o equipamento ótico. Para o professor André Guimarães, as publicações estão preenchendo lacunas existentes, e sendo referências para o trabalho de profissionais da área sanitária e pesquisadores. “Elas podem ser baixadas de qualquer lugar do planeta e, pelo que já verifiquei, estão sendo adotadas por pessoas na Europa e Ásia”, revelou ele, com a satisfação de quem está contribuindo na difusão do conhecimento e formação profissional.
Parceria
Mestre e doutor em Botânica e pós-doutor em Tecnologia Farmacêutica, Guimarães acredita que está ampliando o campo de formação profissional dos estudantes, levando à pesquisa aplicada e ao desenvolvimento de análises microscópicas em perícias e pesquisa de fraudes, além do saber pontual e teórico.
Uma parceria estabelecida em 2022 entre o Laboratório de Farmacobotânica da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Laboratório Municipal de Saúde Pública (Lasp) é apenas o ponto de partida. Guimarães já está em tratativas para formar um acordo com o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), uma unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que atua em estreita cooperação com a Anvisa para o controle da qualidade de insumos, produtos, ambientes e serviços sujeitos à ação da Vigilância Sanitária.
Tudo teve início em um estudo contemplado no Programa de Apoio a Projetos Científicos e Tecnológicos em Ciências Agrárias da Faperj, que viabilizou um acordo de cooperação técnica focado na microscopia. Hoje, a equipe da UFRJ diretamente envolvida no projeto conta com oito pessoas. São estudantes de iniciação científica e pós-graduandos, de áreas de atuação multidisciplinares, que envolvem farmacêuticos, biólogos, veterinários, botânicos, zoólogos e biomédicos, entre outros.
“Apesar de atender no mais curto prazo possível às demandas do Lasp, nosso trabalho aqui é de pesquisa e assessoramento. Aos estudantes e profissionais do laboratório municipal damos treinamento e realizamos workshops com especialistas, no mínimo, a cada bimestre. As obras estão tendo aceitação enorme dos especialistas do Brasil inteiro com que temos contato. Uma futura parceira com o INCQS terá esse objetivo também”, finalizou André Guimarães.